Crianças e adolescentes do Cafundó têm que percorrer 6 quilômetros para estudar
As diretrizes da educação de quilombolas prevêem um padrão de ensino onde a cultura e tradição da comunidade sejam respeitadas - PEDRO NEGRÃO
Eles têm direito e reivindicam uma escola perto de casa. Ao todo, 38 crianças e 12 adolescentes da comunidade de quilombo Cafundó, em Salto de Pirapora, precisam se deslocar seis quilômetros de onde moram para poder estudar, no bairro da Barra e no Centro. Mesmo tendo ônibus escolar, eles consideram o lugar onde estudam muito longe. É um desejo antigo da comunidade ter uma escola no local para atender não apenas esse público, como também os adultos, muitos deles analfabetos. Com a criação do 1º Conselho de Educação Quilombola do Brasil, em novembro de 2013 no Estado de São Paulo, veio a esperança de ter essa necessidade atendida, mas até agora, mais de um ano depois, as propostas para o ensino não chegaram às comunidades da região - nem no Cafundó e, conforme informações, nem no Quilombo do Carmo, em São Roque.
Em entrevista divulgada pelo jornal Cruzeiro do Sul em janeiro do ano passado, o presidente do Conselho, Sérgio Roberto Cardoso, disse que o órgão iria ouvir a demanda e se a população quilombola quisesse escola, a meta seria atendê-la. Sérgio ainda explicou que enquanto os alunos precisassem se deslocar para estudarem, a instituição onde estiverem frequentando seria automaticamente considerada "com demanda quilombola" e precisaria, conforme diretrizes estabelecidas, manter um padrão de ensino onde a cultura e tradição desse povo seja respeitada e também divulgada aos demais alunos. Por isso, uma outra meta do Conselho seria trabalhar com a capacitação de profissionais, para que estejam aptos a respeitar questões da tradição, da alimentação desses alunos, das línguas e da memória coletiva transmitida pelos mais velhos. Para Sérgio, o ideal seria que o conteúdo didático nesses locais fosse acrescido da história dos povos africanos que formaram aquela região da comunidade.
Ainda na ocasião da entrevista, Sérgio disse que o objetivo do Conselho Quilombola seria desenvolver uma política pública educacional assentada nos anseios das comunidades. "Por isso vamos ouvir o que elas têm a nos dizer, também por isso é que diversos membros são representantes de comunidades quilombolas, porque esse conselho surge primordialmente para dar voz a essas pessoas", ressaltou à época o presidente. A proposta era trabalhar para que as escolas fossem de fato quilombolas. "Para isso é preciso ter, além de aluno quilombola, professores e gestores quilombolas. É, portanto, necessário investir em uma pedagogia quilombola e a Secretaria [da Educação do Estado] pensa em como estruturar uma formação inicial para os professores dessas comunidades", complementou, esclarecendo que não se pode perder o foco sobre o tema, que é a "educação escolar": "porque estamos falando de escola que ensina conteúdos formais dentro de um quilombo".
Sem atendimento
"Onde a gente vai bater para concluir isso?", questiona Marcos Norberto de Almeida, coordenador da Associação dos Remanescentes de Quilombo Kabundu do Cafundó. Conforme Marcos, além de não ter escola perto, a instituição de ensino que as crianças e jovens frequentam não tem profissional preparado para a educação quilombola.
Entre os 34 conselheiros, 11 são representantes de comunidades quilombolas, como Regina Aparecida Pereira, do Cafundó (Salto de Pirapora) e Valdir José Leite, do quilombo do Carmo, em São Roque. Mesmo estando entre os conselheiros, Regina demonstra que as reivindicações de sua comunidade continuam não sendo ouvidas. "Quando conseguimos recuperar parte do nosso território, a primeira coisa que pleiteamos foi a escola e eles disseram que seria um número pequeno para reivindicar".
Ainda conforme a representante, se tivesse uma escola na comunidade, os adultos também poderiam estudar. "Eles querem uma Educação para Jovens e Adultos (EJA). Temos muitos adultos que gostariam de estudar, mas são pessoas mais velhas, que trabalham o dia todo na roça, para eles é mais complicado ir para o centro da cidade", disse. Para Regina, se a secretaria tiver boa vontade, demanda tem e não seria só para atender a comunidade. "O bairro dos Alves é próximo, tem crianças e adolescentes lá, e também é um local que não tem escola, mas sempre cai naquela questão, dizem que a gente não tem demanda, no entanto esse bairro também seria atendido".
Regina lamenta que no ano passado nenhuma referência ao quilombo Cafundó foi feita nas escolas, nem no mês da Consciência Negra. "Aliás, eles não cumprem nem mesmo a lei 10.639, de 2003", afirma. Essa lei a tornou obrigatório, nos currículos do ensino fundamental e médio, o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas.
Temas afro não são tratados nas escolas
Elis Regina Salas, mãe de Renan, 17 anos, Mirela, 11 anos e Mikael, 7 anos, conta que o filho mais velho parou de estudar por problemas de saúde e que se tivesse escola na comunidade ele poderia continuar. "Se tivesse escola aqui, eu também terminaria meus estudos", comenta ela, cuja rotina diária é de muito trabalho. Regina conta que acorda às 5h para fazer marmita para o marido e logo em seguida vai trabalhar na estufa da comunidade. No período da tarde, ela faz artesanato. "Então eu poderia estudar à noite", diz.
Sua filha, Mirela Salas de Oliveira, 11 anos, que cursa o 6º ano, reclama que a escola é longe. Apesar de fazer uso de ônibus escolar, para ela seria melhor se fosse na comunidade. Ela afirma que apenas uma vez ouviu uma professora de história comentar na sala de aula sobre a comunidade Cafundó.
Amiga de Mirela, Vitória Lorena Floriano da Silva Campos, 13 anos, conta que durante todos os anos nos quais frequenta a escola, muito pouco foi dito sobre a comunidade quilombola. "Lembro de terem falado algo quando eu estava no 5º e 6º ano... No ano passado não falaram nada. Acho importante porque seria para aprender mais sobre a vida no quilombo." Dois meninos adolescentes, que preferiram não serem identificados, também disseram que seria bem melhor se a escola estivesse na comunidade.
Questionada a respeito, a Secretaria da Educação do Estado emitiu uma nota dizendo que a Diretoria Regional de Ensino de Votorantim, responsável pela região de Salto de Pirapora, informou que se reuniu com representantes da comunidade Cafundó para estudar a implementação do atendimento dos alunos no próprio bairro. Regina confirma que isso ocorreu sim, mas na época da posse do conselho (no início de 2014). "Mas depois essa discussão ficou parada", conta. Ainda de acordo com Regina, até agora não há previsão de quando deve ocorrer a primeira reunião deste ano do conselho.
A reportagem tentou entrar em contato com Valdir José Leite, do quilombo do Carmo, em São Roque, para saber como está a situação no local e apesar de não ter conseguido falar, a informação de outros quilombolas é que é a mesma que a do Cafundó.
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul
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