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quarta-feira, 20 de maio de 2015

Acesso do negro à educação teve contribuição de João de Camargo

Escola criada na década de 1930 atendia moradores do bairro Água Vermelha
Fotografia comprova a existência da escola. Não há informações sobre quem são os retratados nesta imagem - REPRODUÇÃO/PEDRO NEGRÃO
Um negro fundando uma escola, na virada dos anos 1920 para os anos 1930, era algo que poderia ser considerado improvável no Brasil. Mas foi isso o que o místico João de Camargo (1858-1942) fez em Sorocaba, de acordo com informações obtidas pelo historiador Carlos Carvalho Cavalheiro. Definido como missionário negro, médium e curandeiro pela pesquisadora Adilene Cavalheiro, João de Camargo se tornou conhecido em Sorocaba e outras localidades por ter fundado uma igreja caracterizada pelo sincretismo religioso. O ator e diretor Paulo Betti chegou a retratar aspectos de sua vida no filme Cafundó, de 2005. 

Ao contrário do que se possa imaginar, entretanto, a escola de João de Camargo não tinha como público-alvo os negros. Era aberta a todos os filhos das pessoas que estavam se instalando nas proximidades da igreja que o místico havia fundado na Água Vermelha -- na maior parte, negros. "A gente percebe a atuação de João de Camargo como líder comunitário. Mesmo ele sendo analfabeto, tinha a visão de que a educação poderia promover a ascensão social", afirma Carlos Cavalheiro. Para ele, tão logo a população negra teve condições materiais, passou a protagonizar sua própria educação. 


Conforme o pesquisador, a informação sobre a escola fundada pelo líder negro foi publicada no Diário Nacional, jornal de São Paulo, em julho de 1930. A notícia dizia que João de Camargo aproveitou a presença em Sorocaba de um engenheiro paranaense chamado Vicente Souza para construir a escola, que ficou orçada em 80 contos de réis. Mais tarde, houve a proposta de entrega da escola para a municipalidade, que não a aceitou. Cavalheiro relata o ocorrido no livro Nossa Gente Negra. Ali consta que João ofereceu uma casa para a municipalidade, em novembro de 1936. A Câmara Municipal, por meio do parecer 52, mandou arquivar o assunto, alegando que sobre essa doação "nada havia a deliberar". 

Carlos Cavalheiro acredita que a escola deve ter ficado aberta enquanto João de Camargo permaneceu vivo. "Provavelmente tenha funcionado de 1931 a 1942. Quando João de Camargo faleceu, sua esposa Escolástica, que era tida como morta, apareceu na cidade para reclamar seus direitos. Provavelmente, houve uma partilha das terras que pertenciam a João de Camargo, entre a associação que cuidava da igreja e a viúva. Desse modo, é de se imaginar que a escola tenha sido desfeita tão logo o terreno onde se localizava passou para as mãos de Escolástica." 

Ana Maria Souza Mendes, coordenadora do Núcleo de Cultura Afrobrasileira (Nucab) da Uniso, relata que ouvia muito falar sobre o incentivo que João de Camargo dava para as crianças negras do bairro estudarem. "Ele tinha uma telha e fazia a criançada encostar a cabeça nessa telha, então dizia para quem estivesse com a cabeça ali, antes de ir para a escola, que ia aprender tudo naquele dia. Era uma forma que ele encontrava de entrar em contato com a criança. Nesse caso, não era nada de místico, era uma estratégia dele para as crianças se abrirem para a escola e se sentirem seguras lá." 

Na opinião de Ana Maria, o acesso do negro ao ensino foi melhorando ao longo do tempo, inclusive possibilitando que chegasse à universidade, já que hoje há sistema de cotas nas públicas e as particulares têm facilidades como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que beneficiam as camadas de baixa renda, em que se enquadra grande parte dos negros. "Hoje vemos na universidade a presença negra. Não na proporção que deveria, já que a população brasileira é majoritariamente formada por escravodescendentes. Então, o porcentual deveria ser de 52% (de acordo com dados do IBGE, esse é o total da população brasileira formada por negros e pardos)", observa Ana Maria. E conclui: "Isso significa que ainda não chegamos lá." 

Pioneirismo 

A história da educação em Sorocaba começa com a própria história da cidade. Fundada em 1654, portanto há 360 anos, Sorocaba -- ainda em seu início -- já tinha professores para instruírem os meninos. Eram os monges beneditinos, trazidos pelo fundador Baltasar Fernandes. Bem mais tarde, veio a oportunidade para as mulheres estudarem, com a criação da primeira escola feminina, em 1841. 

A primeira instituição voltada para a educação dos negros, em especial os escravizados, foi criada pela Loja Maçônica Perseverança III, no dia 7 de setembro de 1869, e proporcionava ensino gratuito. O historiador Carlos Cavalheiro, tendo como base a pesquisa de José Aleixo Irmão, lembra que essa escola durou pouco tempo, por falta de público. Afinal, os donos de escravos não os liberavam à noite para estudar, pois acreditavam que o negro não precisava de escola. "Essa instituição de ensino antecipou o poder público em quase 30 anos, porque o primeiro grupo escolar, o Padilha, é de 1896. Antes disso só tinha escola particular na cidade", diz o historiador.

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