Salto de Pirapora Notícias

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domingo, 13 de maio de 2012

No Dia da Abolição, mães do Cafundó têm dupla comemoração

Quilombo em Salto de Pirapora tem 24 famílias, agora proprietárias das terras por cessão oficial do Incra

Judite se integrou na comunidade
há 16 anos - Por: Adival V. Pinto
Com 36 anos de idade, mãe de oito filhos, Lucimara Rosa de Aguiar traz no sorriso a tranquilidade de quem conseguiu superar todas as adversidades, preconceitos e carência de recursos e hoje tem orgulho de onde veio e da herança que deixará. Mulher, negra e ascendente de quilombolas, Lucimara representa a união das duas datas comemorativas que se celebram neste domingo, o Dia das Mães e o Dia da Abolição da Escravatura. Bisneta de escravos, ela é a matriarca de uma das 24 famílias que ainda hoje vivem no quilombo Cafundó, em Salto de Pirapora, onde nasceu e lutou para que os seus filhos se criassem.

Embora o Dia das Mães seja um momento de melancolia íntima, resultado da saudade que ainda sente da mãe, falecida há 12 anos, neste ano a comemoração para Lucimara e outras mães do Cafundó tem um sabor especial. Elas têm a certeza de que toda a herança vinda dos antigos escravos que fundaram o quilombo será garantida para as futuras gerações, com a concessão da posse definitiva das terras, em fevereiro deste ano pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). "Seria o melhor presente que poderia dar para minha mãe, a conquista de uma luta de muitos anos", revela. A mãe de Lucimara foi uma da lideranças do Cafundó que na década de 70 se mobilizaram para reaver a área que vinha sendo invadida pelos grileiros e superar toda as dificuldades que a comunidade vivenciava. "Ela chegou a ir para Brasília algumas vezes para falar com os políticos. Nunca desistia de lutar", afirma.

Essa herança de orgulho e resistência, Lucimara faz questão de repassar para seus filhos. Ela é uma das poucas pessoas da comunidade que ainda fala a cupópia, língua original dos quilombolas, resultado de uma mistura de dialetos angolanos com o português colonial, considerado um dos principais patrimônios culturais da comunidade. "Faço questão que meus filhos aprendam pelo menos algumas palavras, pois só assim a nossa cultura não vai morrer. Quero deixar isso para eles, assim com minha mãe deixou para mim".

Mas nem sempre ser negra e moradora do quilombo foi motivo de orgulho para Lucimara. Quando tinha que deixar a comunidade para ir à escola, ela enfrentava o preconceito e gozação dos colegas de classe. "Muita gente da comunidade nem queria aprender a cupópia porque tinha vergonha e isso fez com a língua fosse se perdendo", diz. Além da diferença cultural, a própria cor da pele já era motivo de humilhação por parte de outras crianças. "Viam um urubu e diziam que era meu parente. Eu sofri muito com tudo isso, tinha dia que não queria voltar para a escola, mas minha mãe dizia que não poderia me intimidar". Lucimara diz que até hoje os seus filhos ainda sofrem com esse tipo de problema e ela relata sua experiência para fazê-los enfrentar esse tipo de preconceito. Ela reconhece que não é fácil ser mãe de oito filhos e cuidar de tudo sozinha, pois o marido está trabalhando em uma construção no Mato Grosso, e ainda trabalhar para trazer dinheiro para casa.

Mistura de raças

Foto: Adriano Vincler -  Fevereiro 2012
Se engana quem pensa que o quilombo Cafundó se restringe a moradores da raça negra. Há muito tempo a mistura de raças se estabeleceu de forma homogênea na comunidade. Judite Oliveira Pires, 73 anos, é um exemplo disso. Proveniente de outra comunidade, ela veio para o Cafundó depois de se casar com um quilombola, aos 16 anos. E foi lá que construiu sua grande família. São onze filhos (todos nascidos com parteira na própria casa), tantos netos que ela já perdeu a conta, e mais cinco bisnetos. Apesar da pele branca, Judite tem a cultura africana enraizada numa personalidade forte, de quem já teve que enfrentar as adversidades e o preconceito, já que passou a maior parte da sua vida dentro do quilombo.

Viúva há 15 anos, Judite sente orgulho de pertencer a uma das famílias que resistiu a toda luta para permanecer no Cafundó. "Houve muita briga por aqui. A gente ouvia tiro pra todo lado e até gente da mesma família brigava por causa de terra". Além da disputa pela área, ela ainda tinha que enfrentar a aridez do lugar. "Sempre trabalhei na roça. Era tudo muito custoso. Sabe que nem vi meus filhos crescerem. Quando me dei conta, já estavam grandes e ajudando na casa".

Quatro dos seus filhos já se mudaram do Cafundó, mas o restante permanece na comunidade criando seus próprios filhos. "Mesmo os que não moram mais aqui vêm todo fim de semana.". Judite nunca aprendeu a língua cupópia, mas o marido, que era neto de escravos, passou essa herança cultural para alguns dos filhos. "Isso aqui é a nossa vida. Valeu a pena ter criado minha família aqui e agora ver tudo o que conquistamos".

Fonte: Notícia publicada na edição de 13/05/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul 
Rosimeire Silva

Libertação de escravo origina o quilombo

Fotos: Adriano Vincler - Outubro 2009
A história do quilombo Cafundó se iniciou pelas mãos de um fazendeiro, chamado Joaquim Manoel de Oliveira, que ao libertar um grupo de escravos, em 1888, doou uma área de 218 hectares, com a condição que eles permanecessem no local e continuassem a cultivar a terra. Um desses escravos libertos foi Joaquim Congo. Natural do norte de Angola, Congo casou- se com Ricarda e teve duas filhas: Antônia e Eugênia. Essas, por sua vez, deram origem a duas famílias que até hoje habitam o quilombo: os Almeida Caetano e os Pires Cardoso.

Apesar de tantos séculos de existência, o quilombo ficou por muito tempo sem contato com a comunidade. A partir do final de década de 70, o local passou a ser alvo de estudo de pesquisadores e jornalistas que passaram a divulgar sua cultura. A principal característica desse grupo de quilombolas é o dialeto angolano cupópia, que é utilizado exclusivamente no Cafundó. Ele foi trazido pelo próprio Congo, que fazia questão que a língua da sua terra-mãe fosse seguida pela filhas que depois a passaram para os seus filhos, preservando durante séculos essa tradição. Atualmente, poucos integrantes da comunidade falam o dialeto.

A comunidade ainda hoje vive da agricultura de subsistência e pequenas criações de animais. Recentemente passaram a cultivar produtos em estufas que são vendidos como fonte de renda para algumas famílias. (R.S.)

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